O neuropediatra José Salomão Schwartzman diz que muitas pessoas ainda confundem autismo com doença mental. — Foto: Eduardo de Paula / Rede Globo

Neuropediatra explica que autismo deixou de ser considerado raro, tem diagnóstico difícil e tratamento caro

O neuropediatra José Salomão Schwartzman diz que muitas pessoas ainda confundem autismo com doença mental. — Foto: Eduardo de Paula / Rede Globo

O neuropediatra José Salomão Schwartzman esclarece dúvidas sobre o Transtorno do Espectro Autista. Profissão Repórter desta quarta (19) acompanha a dificuldade das famílias e das escolas para tratar crianças com autismo.

Por Nathalia Tavolieri

20/06/2019 06h00  Atualizado há 7 meses


Uma em cada 59 crianças apresenta algum Transtorno do Espectro Autista, segundo um estudo divulgado pelo Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos. A incidência é maior em homens. Não há cura para doença e o tratamento adequado pode custar até R$20 mil por mês. Confira abaixo a entrevista com o neuropediatra José Salomão Schwartzman. Veja a edição do Profissão Repórter sobre autismo.

O que é autismo?

José Salomão Schwartzman -Autismo é uma condição, um transtorno que apresenta algumas características básicas. Todo indivíduo diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem comprometimento da área da comunicação, comportamento e interação social. Um aspecto bastante comum é a falta de interesse de se comunicar e interagir com os outros. A pessoa com autismo tem uma tendência inata congênita ao isolamento.

Existem hoje três níveis de autismo, classificados conforme o grau de severidade aumenta: Grau 1 ou leve, grau 2 ou moderado e grau 3 ou severo. Neste último nível, a pessoa apresenta um retardo intelectual importante e não tem habilidades de linguagem e comunicação funcional. São os autistas não-verbais, de baixo rendimento. Nos casos severos, o prognóstico é difícil, por mais completo e precoce que seja o tratamento.

Há casos, por exemplo, de crianças autistas leves que são tratadas desde cedo, mas que desenvolvem o grau 3 quando crescem. Isso porque a criança autista nasce com determinado potencial e nem todo mundo responde ao tratamento da mesma forma. A maioria dos indivíduos apresenta um autismo regressivo, com um desenvolvimento normal durante a primeira infância e perda posterior das habilidades até então adquiridas.

Muitas pessoas ainda confundem autismo com doença mental. São completamente diferentes. Autismo é um problema causado por um distúrbio de desenvolvimento. Atinge o cérebro em maturação.

Uma pessoa diagnosticada com autismo pode apresentar uma doença mental?

Schwartzman – Sim. Isso é comum, embora uma coisa não leve a outra. Mas, como qualquer pessoa considerada “típica”, o indivíduo com autismo também está sujeito a apresentar outras patologias e condições psiquiátricas. É comum, por exemplo, a associação do autismo com transtorno obsessivo compulsivo, o transtorno opositor e a epilepsia.

Como os pais podem identificar os primeiros sinais de autismo?

Schwartzman – A família deve ficar atenta aos fatores de risco. Por exemplo, um bebê de um ano que não olha para a mãe, recusa o peito, não aceita colo, não atende pelo nome, não fala, fica isolado olhando para uma determinada coisa o tempo inteiro e faz movimentos repetitivos com a mãozinha. Esse tipo de comportamento tem de chamar a atenção. Não quer dizer que a criança seja autista, mas que apresenta sinais de risco para o desenvolvimento do autismo. No momento em que se percebe que algo está fora do normal, é importante ir atrás de diagnóstico e começar a tratar imediatamente.

Existe um exame que comprove o diagnóstico de autismo?

Schwartzman – Não. O diagnóstico de autismo é clínico.

Autismo tem cura?

Schwartzman – Não. Mas com tratamento adequado é possível minimizar os efeitos do transtorno. Também não há medicamentos para o autismo, mas para combater sintomas do autismo, como agressividade, hiperatividade e epilepsia. O tratamento medicamentoso não resolve, apenas atenua problemas graves.

Como é o tratamento para o autismo?

Schwartzman – O que tem eficácia científica de que funciona são os tratamentos da psicologia comportamental, que por meio de recompensas, reforçam os comportamentos adequados e diminuem os inadequados. Cada indivíduo responde ao tratamento de uma forma particular, mas é seguro dizer que quem é tratado estará melhor do que quem não é.

A pessoa com autismo não responde a apenas uma consulta semanal de 40 minutos, por exemplo. Ela precisa ser massivamente trabalhada. Recomenda-se acompanhamento de psicólogos altamente especializados de, no mínimo, 10 a 40 horas semanais.

Também é fundamental o tratamento fonoaudiológico, desenvolvendo a oralidade e métodos alternativos de comunicação, além da terapia ocupacional, trabalhando as dificuldades sensoriais do indivíduo a longo prazo.

O tratamento adequado para autismo é caro. Em São Paulo, por exemplo, tratar corretamente alguém com TEA pode custar até vinte mil reais por mês. O questionamento que se faz é: quem pode pagar por um tratamento desses a longo prazo? A imensa maioria das pessoas que precisa não tem tratamento adequado (conforme mostra o programa desta quarta-feira). O Brasil tem hoje uma política pública que garante à família alguns direitos básicos, mas não há locais de tratamento adequado sem pagamento pelo Sistema Único de Saúde. Hoje, você identifica um monte de casos, mas lamentavelmente não há muito o que fazer com essas pessoas. Ainda não tem alternativa no Brasil, pelo menos do ponto de vista público.

Antes, considerava-se que o autismo atingia uma em cada 10 mil crianças. O número mais recente que se tem hoje é que uma em 59 crianças apresenta o TEA. É um problema premente de saúde pública, que atinge milhões de pessoas. Deixou de ser considerada uma doença rara. O autismo atinge predominantemente os homens, numa proporção de cinco homens para cada mulher afetada pelo transtorno.

O autista consegue desenvolver um afeto?

Schwartzman – Cada autista tem sua própria personalidade, seu jeito de ser. Não existe aquele estereótipo do autista violento ou bonzinho. Há os que odeiam toque físico e os que adoram. Alguns são extremamente carinhosos. Algumas pessoas usam esses estereótipos para negar o diagnóstico. “Dizem que meu filho é autista, mas ele me olha nos olhos e é carinhoso”, por exemplo. É preciso tomar cuidado.

As escolas estão preparadas para receber alunos autistas?

Schwartzman – A maioria não está. O autista tem um perfil peculiar, vê de um jeito, ouve de um jeito, se comporta de um jeito. Como esperar que ele aprenda e se desenvolva numa escola que baseie seu conteúdo no aluno “médio”? Uma escola inclusiva é aquela que aceita o aluno com suas limitações particulares e que, ao mesmo tempo, elabora um plano de ensino e um currículo sob medida para o aluno. Poucas escolas oferecem essa possibilidade. É caro e cansativo.

Também é preciso cuidado para não generalizar. Não é todo autista que tem de estar matriculado na escola do ensino regular. Sou a favor da inclusão, mas contanto que o aluno autista seja incluído no melhor lugar para seu desenvolvimento. Esse lugar não é, obrigatoriamente, a mesma escola dos irmãos.

Como as famílias podem se preparar para cuidar de uma pessoa com autismo?

Schwartzman – Não existe uma criança autista numa família sadia. A família também passa a ser autista. Passa a viver numa dinâmica completamente diferente do que se tivesse apenas um filho típico. O que a gente faz pouco no Brasil é um atendimento intensivo à família, como grupos de pais. Não adianta cuidar da criança autista sem levar em conta o ambiente familiar em que ela vai crescer. Para que o tratamento do autismo seja eficaz, é fundamental que a família também seja capacitada e orientada. Os pais, os terapeutas, a escola e o meio em que a pessoa com TEA vive devem apresentar uma postura mais ou menos similar.

Via: https://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2019/06/20/neuropediatra-explica-que-autismo-deixou-de-ser-considerado-raro-tem-diagnostico-dificil-e-tratamento-caro.ghtml

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