Como criar filhos tolerantes e abertos à diversidade

Por Ziba Kashef

Ninguém nasce racista, machista, homofóbico ou preconceituoso. São coisas que se aprendem — e podemos lutar contra isso. Mas como criar uma criança tolerante em meio a uma sociedade que muitas vezes pressiona em sentido contrário? O que mães, pais e adultos responsáveis podem fazer desde cedo para que os filhos cresçam respeitando diferenças e conscientes do papel que têm nas mudanças do mundo?

“Tolerância e respeito caminham juntos e ambos falam sobre flexibilidade mental, em oposição a rigidez”, observa a psicóloga Simone Villas Boas, que trabalha em São Paulo.

“Você não precisa gostar de como uma pessoa se comporta e de suas crenças, mas deve fundamentalmente respeitar e, se possível, pensar nos aspectos positivos da crença alheia”, acrescenta a especialista.

Diversidade: exemplos e conversas

Um primeiro passo rumo à tolerância é estimular a flexibilidade mental da criança, nos mais diversos sentidos. Promova brincadeiras nas quais ela pode se colocar em diferentes situações (ora é a perseguida, ora é o pegador, por exemplo), atividades com materiais diversos (guache, areia, giz de cera), assim como tenha em casa bonecos e bonecas de formatos e cores variados.

Outra coisa é apresentar desde cedo referências de pessoas de todos os tipos, sejam elas de origem branca, negra, asiática ou indígena, em livros, jogos e filmes, principalmente em situações que não reforcem estereótipos. Mas mais forte do que qualquer ficção é conviver de fato com famílias de formatos diversos e organizar encontros com crianças pertencentes a grupos distintos do seu.

A partir das possibilidades oferecidas e dos exemplos dados em casa, as crianças formam as suas visões de mundo — quanto mais amplas, maior a chance de reconhecerem a humanidade comum aos integrantes de diferentes grupos.

Ao contrário do que você possa imaginar, não há nada de errado em conversar com o seu filho quando uma questão de preconceito de alguma natureza se fizer presente. A partir dos 4 ou 5 anos, a criança começa a perceber melhor as diferenças e pode ficar curiosa: por que um colega é tão magro e por que o outro é mais gordinho? Por que o meu amigo é cadeirante? Por que aquela criança não sabe falar direito? Por que ele usa óculos? Por que a cor dela é diferente da minha? Ou por que ela tem duas mães e nenhum pai?

“Não negue a diferença: ela existe e deve ser usada a favor do conhecimento”, afirma a psicóloga Simone Villas Boas. “As dúvidas são genuínas e não trazem embutidas um julgamento de valor.” Quando se ensina a criança a não conversar sobre um assunto, como a cor da pele ou orientação sexual das pessoas, o efeito pode ser justamente o contrário do esperado e reforçar o problema do racismo e da homofobia, por exemplo. Nunca é cedo demais para nutrir em seu filho ou filha uma consciência saudável sobre a diversidade.

O silêncio e o constrangimento dão à criança a impressão de que o assunto é tabu ou de que uma observação intolerante seja aceitável para você. As crianças voltam-se para mães e pais em busca de pistas morais e aprendem tanto com as suas ações como com as suas palavras.

Dicas de como criar um ambiente tolerante

Confira a seguir seguem algumas ideias que podem ajudar você a promover a tolerância dentro de sua família e até de sua comunidade.

Exponha a criança a pessoas diversas. Se você não mora em um bairro com diversidade e o seu filho não vai à escola com crianças de outras etnias, religiões ou classes sociais, cerque-o com livros infantis, desenhos, filmes e músicas que abordem pessoas de todas as “cores” e espectros de características físicas e intelectuais. Leve-o a eventos nos quais vocês possa interagir com pessoas diferentes. Crianças são o público perfeito para participar de aulas de dança, de oficinas de arte, de leituras em bibliotecas ou de festivais de outras culturas, por exemplo.

Fique com os fatos. Quando seu filho fizer perguntas sobre raça, religião, sexualidade ou alguma outra questão de diversidade, seja direto. As crianças até os 8 anos não são capazes de processar ideias complexas como um adulto ou um adolescente. Como sempre com os mais novos, responda apenas à questão feita. Ou seja, se ele perguntar “Por que a Sophia tem dois pais e eu eu tenho um só?,” você pode simplesmente responder que existem muitos tipos de famílias diferentes, como a da Sophia com dois pais, a sua com um, a do Pedro sem nenhum, e que cada uma delas é considerada família de qualquer jeito.

Não exagere na resposta. Se o seu filho fizer um comentário inesperado ou uma pergunta até mesmo ofensiva com relação a raça ou classe social, não ignore nem silencie. Em vez isso, responda sem julgá-lo e busque o contexto: “O que fez você pensar isso?”. Procure obter mais detalhes sobre o que aquela observação significa para o seu filho, afirma a psicóloga norte-americana Susan Linn, coautora do livro Talking to Children about Racism, Prejudice and Diversity sobre como conversar sobre racismo, preconceito e diversidade com crianças.

A resposta pode ser o início de uma boa conversa. “Para criar uma criança que seja curiosa e que não tenha medo das diferenças, é importante passar a mensagem de que as diferenças não são uma coisa ruim”, diz Linn.

Se o seu filho ofender alguém com uma declaração, peça que ele se desculpe. Mais tarde, em particular, converse com ele sobre como determinados comentários podem magoar as pessoas. Mas não faça muito alarde, porque ele ainda está aprendendo.

Desestimule rótulos. Você ou outros adultos presentes na vida de seu filho tendem a se referir às pessoas pela raça, pela aparência, pela orientação sexual (“a moça negra do balcão”, “aquele homem deficiente do sinal”, “o amigo gay do seu tio)? Em caso positivo, seu filho vai pegar a mesma mania. A partir dos 5 anos, as crianças podem começar a fazer seus primeiros comentários depreciativos, do tipo “tem um menino preto na minha escola que é chato”.

Se o seu filho tiver dito isso após uma briga, por exemplo, mostre que entende os sentimentos dele, mas reforce que o menino é um indivíduo e que existem meninos de todas as cores legais e chatos. “Passe a mensagem de que não é tudo bem julgar uma pessoa pelo grupo ao qual ela pertence”, aconselha a psicóloga norte-americana Marguerite Wright.

Chame as pessoas pelo nome, não as rotule pela cor, e ensine o seu filho a fazer o mesmo. Se os avós ou outros adultos próximos fizerem comentários racistas ou preconceituosos de alguma outra forma, não deixe passar batido. Ressalte como o seu ponto de vista é diferente.

Filtre mídias e converse sobre o que o seu filho vê. Não deixe seu filho pequeno assistir televisão, vídeos ou navegar na internet sem supervisão (veja o que dizem os especialistas sobre crianças pequenas e tecnologia). Com frequência, a mídia reforça estereótipos e distorções, principalmente no que diz respeito a questões raciais, sociais, de beleza ou sexualidade. As crianças, mesmo quando bem pequenas, captam mensagens sutis sobre raça, gênero e cultura através do que assistem e acompanham no dia a dia. Atue para contestar qualquer estereótipo propagado. Aproveite os casos de notícias polêmicas como “oportunidades de ensinamento” para falar sobre tolerância.

Não enfatize demais. Falar abertamente sobre os assuntos é bom, mas não coloque ênfase em excesso em questões de raça, gênero ou outros pontos sujeitos a preconceitos. A repetição exagerada não é melhor do que evitar o tema. Dê informações ao seu filho, mas em doses pequenas.

Não negue as diferenças. Se você não reconhece as diferenças, não será capaz de preparar o seu filho para viver em uma sociedade multiétnica e complexa. A mensagem deve ser “a sua etnia/cor/religião/cultura é parte de quem você é” e “é importante tratar todo mundo de forma justa e de maneira igual”.

Estimule a diversidade na escola. Vá conhecer a biblioteca da escola de seu filho e veja se ela contempla diversidade tanto de temas como de autores. Além disso, procure saber como a escola aborda o assunto de forma geral. A escritora Djamila Ribeiro, mestre em filosofia política e autora do Pequeno Manual Antirracista (2019), ressalta a importância de se cobrar das escolas a aplicação da lei número 10.639, de 2003, que inclui no currículo oficial o ensino sobre história e cultura afro-brasileiras.

Converse sobre os limites. Mesmo para a tolerância há limites. Você pode conversar com o seu filho sobre a linha que separa o aceitável do intolerável. O que fazer ao presenciar colegas que agridem outras crianças por causa de sua orientação sexual ou religião? É tudo bem fazer comentários depreciativos ou piadas sobre as outras pessoas? Cultivar a tolerância é excelente, mas é preciso também que a criança tenha instrumentos para se posicionar contra o ódio, a violência, a humilhação e o bullying.

(com reportagem de Frances Jones)

Atualizado em Junho 2020

Fonte: https://brasil.babycenter.com/a25029302/como-criar-filhos-tolerantes-e-abertos-%C3%A0-diversidade?utm_campaign=pt_BR_bulletin_20200811_toddler&liveconnect=5dd6e874d5f0e382cf83ae15ad1b34d8&utm_source=email&utm_medium=email

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